segunda-feira, outubro 14, 2019

Há aqueles...

“Há aqueles que lutam um dia, e por isso são bons;
Há aqueles que lutam muitos dias, e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos, e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis.”
Bertolt Brecht, “Os que lutam”

      Para se ser bom não se tem de ser o melhor. Se tivermos presente a motivação para dar “o nosso melhor”, então ficaremos com a certeza que o nosso melhor foi suficiente para sermos bons.

    A afirmação anterior não significa que devemos ficar simplesmente satisfeitos com “qualquer coisa” de bom que tenhamos alcançado. Significa, sim, que não temos de ser os melhores do mundo para sermos felizes.

      Esta visão é particular e faz-me olhar para a sociedade atual que parece, por vezes, prescindir da promoção de comportamentos e valores mais dignos desse nome, para se distrair numa demanda pela eleição de individualismos, refira-se que sempre existirão, que provocam sentimentos tão distintos como o deslumbramento ou a ira. Por um lado, o deslumbramento pelo herói e pela vaidade, pelo melhor dos melhores, mas efémero. Por outro, o ódio e a desilusão da derrota e do inalcançável, levando muitas vezes à tristeza.

     Onde há espírito de comunidade podemos verificar que cada indivíduo trabalha em prol de um bem maior. A satisfação da “vitória”, nestes casos, deixa de ter uma lógica individual para passar a ter razão no seu todo, num âmbito comunitário, os problemas sociais dissipam-se porque há uma procura em satisfazer as carências que são de todos. Atente-se aos diversos casos em que a sociedade não consegue corresponder às expetativas de todos e iremos verificar que onde há maiores problemas são nos meios em que não há uma verdadeira vivência em comunidade ou naquelas em que as pessoas não se identificam com esses meios.

      À escola compete, essencialmente, proporcionar um meio em que seja possível trabalhar, com as crianças e jovens, o verdadeiro espírito de comunidade, de viver com os outros, da solidariedade, da entreajuda, da promoção de valores humanistas. Acima de tudo, proporcionar um bom ambiente de trabalho e aprendizagem em que possamos desenvolver as suas aptidões, que são tão diferentes quanto as suas origens. Não podemos querer que todos aprendam da mesma forma e ao mesmo ritmo, se nós próprios não aceitamos que nos comparem com outros, em termos de ritmos, origens, apetências ou vontades.
      
      Para sermos bons, não temos de ser formatados de igual forma. Para sermos bons no que quer que seja, artes, negócios, serviços, produção… Temos de ter oportunidade de crescer em ambientes felizes e dignos, seja em casa, na escola ou no local de trabalho. Na nossa escola, temos de afiançar que as crianças e jovens que por cá passam são felizes a fazer aquilo em que são bons. Têm de ser educados a lutar pela sua felicidade, à sua maneira, à sua medida.
      
      Não posso deixar de lembrar que somos seres espirituais e, por isso, a felicidade nem sempre é palpável. Todos fazemos parte de um plano superior, muito superior!

terça-feira, março 19, 2019

Pai... Hoje...

Hoje, Dia do Pai, recordo especialmente o meu pai. Recordo, com emoção, muitos dos momentos que passei com o meu pai, desde a infância até muito recentemente, quando nos deixou mais sós, sem a sua presença, sem o seu olhar, sem as suas palavras.

Ao redigir este texto, não sei se consigo reter as lágrimas, algo que muitas vezes tem acontecido, por vezes a propósito de uma canção, outras vezes por um filme, outras ainda pelas palavras que se leem num poema ou num texto. Sinto a sua falta, porque a sua presença era incomparável, como a presença de qualquer ser é incomparável a outra.

No seu caso, era incomparável por tudo aquilo que era… Um homem simples que transmitia calma, vontade de aprender e ensinar e muita vontade em trabalhar e dar o melhor à sua família. Emigrou à procura de melhores caminhos para a sua vida e a dos seus, tentava fugir de uma vida que não era fácil. A vida no campo era dura, sabe-o bem quem a trabalha nos socalcos difíceis das escarpas e “barrancos”.

De regresso à sua terra natal, procurou, desde logo, por rumo na sua vida e trabalhou para isso. Não ficou à espera que as coisas acontecessem, procurou pelo seu destino. Não foi simples, a vida de “pedreiro” que implicava levantar cedo, trabalho árduo, de sol a sol. Tinha orgulho no seu trabalho e dizia que o seu trabalho era o seu cartão de visita. Um trabalho bem feito mostraria aos seus potenciais clientes que melhor não haveria. Orgulhava-se também de “não haver engenheiro que lhe chegasse aos calcanhares”.

Quando comecei a acompanhá-lo nas obras, coisa que fazia nas férias grandes da escola, talvez a partir dos 15 anos, não me facilitou a vida. Dizia ou fazia entender que o filho do mestre pedreiro não poderia ter regalias, pois poderia dar a entender que tinha a vida facilitada. Não me deixava descansar e exigia cada vez mais de mim, era necessário aprendera a trabalhar, pois a vida não era fácil… E era isso que se esperava de um homem.

Algum tempo mais tarde, alguns anos depois de ter entrado nas lides das “obras”, ouvi-o dizer a alguém (já não me recordo de quem) “ele tem jeito, mas se ele quer seguir outra coisa”. Lembro-me de me dizer “davas um bom arquiteto”. Pensava eu, mas ele nem sabe se eu sei desenhar…. Mais tarde pensava, nem sabe se me interesso por esse tipo de atividade. O que sei é que o meu pai imaginava que o filho poderia seguir os seus passos, mas já numa área mais criativa, não só da execução.

O que não esqueço é que todo o tempo passado na sua companhia, muitas vezes contrariado ou a pensar que férias boas eram as dos meus colegas ou amigos que as passavam na praia, em passeios ou a jogar à bola, todo esse tempo me permitiu aprender algumas das artes da construção civil que me permitem hoje poder responder às solicitações “caseiras”.

Mais tarde, o meu pai passou por alguns problemas de saúde que lhe condicionaram a vida pessoal e profissional. A partir daí, apesar da sua enorme força de vontade, estava limitado nas suas ações. Foram momentos de tristeza, de dificuldade para a família, de condicionamento. Uma coisa aprendi, ou confirmei, havia naquele homem uma enorme força de vontade de viver, de ultrapassar os momentos complexos que se haviam atravessado à sua frente.

Em pouco tempo, médicos e enfermeiros confirmavam, a enorme força de vontade de voltar a ser autónomo tinha-lhe permitido recuperar em tempo recorde. Limitado nas suas ações, mas cheio de voluntariedade, voltava a poder tratar da terra, cultivar e mostrar com orgulho a terra amanhada, construir ou remodelar pequenos espaços da casa ou do jardim e dos arredores. Mostrava aos seus que é possível sonhar e lutar contra as adversidades.

Não foi fácil vê-lo cada vez mais dependente, a precisar que nós, mulher e filhos, tivéssemos cada vez mais tempo para si… porque precisava.

Agora, olho para trás e penso, foi pouco o tempo que passei com ele. Algumas vezes, o trabalho não o permitiu, outras vezes, o cansaço era tanto, que era mais fácil dizer “agora não posso” ou “amanhã vejo isso” ou ainda “pode ser mais tarde?” Esses momentos não voltam…

O que ficam são as saudades da sua voz, dos seus ensinamentos, dos seus conselhos, do seu olhar, da sua companhia, do seu silêncio!


Obrigado pai!!